(Re)traduções - poesia indiana, por Beatriz Santos

The Sea/ O mar
 Sitanshu Yashashandra (do estado de Gujarati, India)

I have seen the ocean
before gods and demons simplified it.

I have seen water in the light
of polar submarine fire.
Fire and moisture are one.
To burn and to get wet are one and the same.

When I emerged from the sea
my palms held no pearls.
I am not a diver.
I am a poet.
That which is there, is there in my eyes.

Translated from Gujarati by E.V Ramakrishnan



Eu já havia visto o oceano
Antes que deuses e demônios o tornassem simples.

Eu já havia visto água na luz
do fogo nas profundezas polares.
Fogo e umidade são um só.
Queimar e molhar são um só e o mesmo.
Quando emergi do mar
minhas mãos não seguravam pérolas.
Eu não sou mergulhador.
Eu sou poeta.
O que quer que esteja lá, estará em meus olhos.

Traduzido por Beatriz Santos

© beatriz santos

The Secret/ O Segredo
Joseph Furtado (de Goa)

Every year you blossom, tamarind,
and the sunbirds seek you as of old;
Every day gay children, tamarind,
come to romp around you as of old;
And, lo, every hour of the day
All these years I’ve waited, tamarind –
Silence! Silence to the last, I pray;
It was all so fated, tamarind.
Pride consumes him, said they, tamarind,
And no pity had they, tamarind;
You the secret keep now, tamarind;
Keep it till all secrets are made known,
for I go to sleep now, tamarind,
till o’er all the trumpet’s blown.

                                                                                                         
Todo ano floresces, tamarindo
e beija-flores o procuram como antigamente;
Todo ano alegres crianças, tamarindo,
vêm brincar ao seu redor como antigamente;
e, veja, todas as horas do dia
todos os esses anos estive esperando, tamarindo –
Silêncio! Silêncio de uma vez, eu rogo;
Tudo estava tão fadado, tamarindo.
O orgulho o consome, eles dizem, tamarindo,
e pena eles não tinham, tamarindo;
Você o segredo agora guarda, tamarindo,
Guarde-o até que todos os segredos sejam revelados,
E eu vou dormir agora, tamarindo,
até os trompetes já não soarem mais.

Traduzido por Beatriz Santos

© beatriz santos

Projeto de tradução

Traduzir poesia sempre me pareceu uma “missão impossível”. Todo o seu cuidado com a maneira na qual as palavras são utilizadas e como elas passam a ter um significado próprio de acordo com o modo utilizado me assustou quando recebi os poemas. Foi minha primeira experiência traduzindo esse tipo de texto, e não vou negar que foi um desafio muito enriquecedor, com dificuldades e soluções muito particulares de cada um deles.
O primeiro deles, “O mar” (“The sea”), foi uma tradução indireta. Escrito por um poeta contemporâneo, e traduzido para o inglês do gujarati, tive dificuldades quanto qual tempo verbal utilizar, se retirava ou não os artigos da parte “I am not a diver./ I am a poet.”(que escolhi fazer por me parecer ter uma linguagem mais poética), mas minha maior dificuldade foi com o verso “That which is there, is there in my eyes.”, provavelmente uma dificuldade que o tradutor do gujarati para o inglês (E.V. Ramakrishnan) pode ter tido para escrever em inglês, pois foi um trecho com uma estrutura “estranha”, não só para mim, mas também para colegas que consultei para tentar entende-lo. Depois de muita reflexão, não só da estrutura da frase, mas também como ela se conectava com o restante do poema e quais possíveis significados o autor e o primeiro tradutor queriam exprimir, cheguei ao resultado “O que quer que esteja lá, estará em meus olhos”. No momento em que realizei a tradução, me pareceu a melhor solução, mas que pode ser revista e repensada para, talvez, obter outras opções para o verso.
Já no segundo poema, “O segredo” (“The secret”), originalmente escrito em inglês, tive de lidar com algumas aliterações (“Every year you blossom, tamarind”;” Every day gay children, tamarind,”), que não consegui reproduzir em português, talvez por falta de prática no fazer poético ou  por me prender muito na forma e na equivalência, sendo difícil colocar em prática a transcriação de Haroldo de Campos e encontrar uma solução para esses versos. Outro fator nesse poema que me chamou a atenção foi o uso da interjeição “lo”, no original, que me foi esclarecida pelo professor mestre Guilherme Borges, a quem agradeço pelo esclarecimento, que é um elemento utilizado com certa frequência em poemas da língua inglesa, e tem por objetivo declamar algo e também chamar a atenção, por isso, minha escolha foi de utilizar a forma imperativa “veja”, pois acreditei que reproduziria o mesmo efeito.
A experiência de realizar uma tradução indireta e uma tradução foi incrivelmente enriquecedora e responsável por um enorme amadurecimento para mim como tradutora. Apesar de terem sido traduções experimentais, já que foram as minhas primeiras, tive a honra de tê-las publicadas na revista Cadernos de Literatura em Tradução, da Universidade de São Paulo, juntamente com a antologia de poemas “100 Grandes Poemas da Índia”, idealizada, organizada e editada por Abhay K., a quem agradeço imensamente pela oportunidade de me inserir como parte do corpo de tradutores desse grande projeto, responsável tanto pelo meu crescimento literário quanto tradutório. 

Esta pesquisa foi iniciada na disciplina Teoria da Tradução 2 em 2017 (Curso de Letras-Tradução-Inglês, Instituto de Letras, Universidade de Brasília) com a profa. Ana Rossi. 





Beatriz da Silveira Santos

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